CONTRAPONTO
O Rio em crise e em processo de renascimento
Messias Fernandes
Apesar de não ser carioca e nem fluminense, costumo afirmar que literalmente renasci no Rio, no mais amplo sentido da palavra. Resido neste Estado acolhedor desde 2001. Escolhi viver minha nova vida sob os braços do Cristo Redentor, que muitos esperam que interceda pelo Rio nesse período de crise – fase que tem se prolongado muito além do que imaginávamos e muito mais do que gostaríamos. É uma crise que afeta a todos profundamente. Não se trata apenas de questões financeiras, é mais complexa a situação.
Carrego desde o nascimento um nome que sempre teve um peso de título (pelo menos para os cristãos): Messias. Contudo, minha visão de mundo influenciada por vivências platôs (após perder parte dos movimentos) e pela Psicologia – meu campo de atuação – não me lança em uma espera passiva por um salvador. Minha crença é a de que já nos foram dados os instrumentos para desenvolvermos nossos potenciais, principalmente em momentos de necessidade – esta é, para alguns teóricos, a força propulsora da criatividade. Sendo assim, acredito que a superação da crise, que foi insidiosamente se instalando e impactando a saúde física e mental dos moradores da nossa metrópole, advenha de um processo longo e contínuo, e cada carioca e fluminense precisará arregaçar as mangas e sair do muro das lamentações, da postura passiva e infantil que espera a chegada de um pai misericordioso que redimirá os pecados.
Carecemos de hombridade para reconhecermos nossa parte nessa história toda. O sistema precisa mudar, mas o mecanismo seremos nós, enquanto sociedade e enquanto cidadãos, que tocaremos. Costumo preconizar que toda crise pode trazer lições transformadoras. No entanto, não é a simples existência de um momento crítico que gerará as transformações positivas. Como também não é a mera passagem do tempo que fará uma pessoa evoluir nos mais diversos aspectos da vida. É a maneira como se vive esse tempo. É o que eu planto em meu terreno existencial que me definirá.
Seguindo essa lógica de enfrentamento da crise, trago para dialogar com esse tema a Psicologia do Manejo do Problema – conceito desenvolvido por mim nos meus longos anos de atuação na área da reabilitação física e no consultório. Tem como linha de raciocínio uma maneira diferente de lidar com problemas, especialmente aqueles aparentemente sem solução. A visão imediatista que às vezes impera é um complicador, quando se trata de problemas complexos. Há muitas vezes um desejo de que as mazelas se resolvam como em um passe de mágica. No fundo, o que existe em muitos casos é uma postura infantil ou de revolta. Ambas não norteiam bem nossas ações. Quando cultivamos elevada expectativa de resolução de alguns problemas de forma rápida – barreiras que precisam, em muitos casos, ser formuladas adequadamente, para não elegermos como problemas demandas do cotidiano – podemos experimentar dois sentimentos nocivos ao bem-estar emocional e relacional: frustração e sentimento de impotência. Frustração, como citada em uma música dos Racionais MC’s, “é máquina de fazer vilão”, e o sentimento de impotência pode nos lançar em uma inércia infértil. O Rio não precisa de mais vilões e nem de parasitas oportunistas. O Rio precisa neste momento de empreendedores em todas as esferas sociais, culturais e artísticas, para levar nosso Estado a um patamar de crescimento sustentável, em que a exploração seja a do potencial de cada um de nós rumo a caminhos que gerem prosperidade.
A psicologia Manejo do Problema lança luz para repensarmos nossa maneira de encarar os problemas. Saímos da crença passiva de que “a fé move montanhas” para uma fé proativa que nos ajude a transpor as montanhas. E não apenas isso mas, acima de tudo, nos indagando se fomos nós os responsáveis pelo surgimento de tais montanhas de problema. Lógico que pode ficar a pergunta: e os governantes, onde estão? Estão onde os colocamos. Muitas vezes nos deixamos levar por promessas mirabolantes e não viáveis. Prometem que vão fazer, como se a origem dos recursos partisse deles. Sempre que um paciente me fala que ganhou algo de determinado órgão governamental, faço questão de esclarecer que nada lhe foi dado pois fora, na verdade, custeado pelos impostos que todos nós pagamos ao adquirirmos de um simples pãozinho a um carro de luxo.
Não podemos ter a ilusão de que os políticos farão a transformação de que o Rio precisa. Teremos que assumir esse protagonismo, levando em conta que toda mudança requer um processo. Mágica é apenas truque e ilusão de ótica. Que o “nós” prevaleça na construção de uma sociedade mais equânime, e que esta acesse todo seu potencial humano e político na reconstrução social, estrutural, cultural, e porque não, psicológica do nosso Rio de Janeiro.
CONTRAPONTO
Janaína Salles
A crise financeira que atingiu o Rio de Janeiro, e o país, apesar de encerrada no final de 2016, segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), ainda deixa marcas. Análise do economista Marcel Balassiano, publicada aqui no Governança do Rio, mostra que o Estado foi um dos mais atingidos. Resultado: baixo nível de atividade econômica, alto nível de desemprego e, como ressaltou o psicólogo Messias Fernandes, um outro número de problemas que vão além da questão financeira.
Todas essas barreiras geram a sensação de que as coisas vão mal (e vão!), fazendo com que muitos abandonem o barco saindo do Rio, ou mesmo mudando de país. Mas o que é de fato sensação e o que é realidade? A violência realmente aumentou ou foi a nossa percepção que mudou, piorando a realidade?
Essas questões me remetem à pesquisa que fiz sobre concepção da notícia, levando-me ao conceito de que a realidade também pode ser moldada pelo tratamento que a mídia dá aos fatos – o qual dei o nome de “Modismos editorial: realidade construída”. Por meio da análise de jornais e revistas, verifiquei que ao publicar e veicular repetidamente notícias sobre casos semelhantes, a mídia reforça a ideia de que vivemos uma nova realidade, como hoje acontece nos casos de violência contra a mulher. Porém não é que hoje o país seja mais hostil para as mulheres, e sim que passou-se a denunciar mais esses casos de violência.
O mesmo conceito pode ser aplicado à crise econômica e à violência, por exemplo. Será que não há empresas sendo criadas, empregos sendo gerados ou iniciativas que levem ao desenvolvimento em andamento? Será que não há nada de positivo para compartilharmos? Respondo, sem medo, que há. Mas a repetição de notícias ruins nos leva à sensação de que nada adianta ser feito, leva a uma sensação de impotência, fazendo com que as pessoas encham hospitais e consultórios com doenças físicas e psicológicas, causadas por esse estresse social. É importante frisar que a mídia aqui não é vista como vilã, mas sim parte de uma engrenagem que se auto realimenta.
Dessa forma, é fundamental trabalhos como o do psicólogo Messias Fernandes, que desenvolveu e compartilha conceitos capazes de nos ajudar a sair dessa inércia provocada pelo medo. Manejar problemas é mais realista que resolver problemas, e nos faz enxergar que transformações mais profundas em nossa sociedade devem começar com pequenas atitudes.
Encarar a realidade é condição primordial, mas também vale darmos mais espaço às iniciativas que deram certo, às pessoas e instituições que acreditam e agem pela retomada do crescimento. Assim, conseguiremos restabelecer nosso ânimo e crença no Rio, que nos fará trabalhar pelo desenvolvimento de nossa cidade e de nosso Estado.
#AvanteRio!
Messias Fernandes – Psicólogo, neuropsicólogo clínico, escritor e palestrante. Pós-graduado em Educação especial na perspectiva da educação inclusiva pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). É autor do livro Renascendo de um Mergulho, no qual conta um pouco da sua história de superação após o acidente que o fez perder os movimentos. Trabalha na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), onde se reabilitou.
Janaína Salles – Bacharel em Comunicação Social/ Jornalismo, cursa o MBA em Gestão de Marketing. Participou do Programa Latino-Americano de Seminários em Governabilidade, Gerência Política e Gestão Pública – Fundação Getulio Vargas (FGV)/ Banco Latinoamericano de Desenvolvimento (CAF)/ The George Washington University. É atualmente assessora de imprensa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas e editora-chefe do Governança no Rio.